Persona

Persona
"Fiz de mim o que não soube E o que podia fazer de mim não o fiz. / O dominó que vesti era errado. / Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. / Quando quis tirar a máscara, Estava pegada à cara. / Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido. / Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado. / Deitei fora a máscara e dormi no vestiário / Como um cão tolerado pela gerência Por ser inofensivo / E vou escrever esta história para provar que sou sublime." [Fernando Pessoa]

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Os Carrascos do povo



Como já me referi em textos anteriores, a situação da superlotação dos transportes coletivos de Salvador é um problema que vem aumentando progressivamente ao longo dos meses sem que nenhuma solução seja apresentada, sequer assegurada, nem por parte dos governantes, tampouco das empresas fornecedoras do serviço.
Somos todos cientes do exército de trabalhadores que residem nas áreas suburbanas e periféricas da cidade de Salvador e que necessitam do transporte coletivo para irem e retornarem dos locais de trabalho.
Porém, cotidianamente, ao longo da Avenida Afrânio Peixoto – mais conhecida como Avenida Suburbana - tem acontecido mais uma forma desrespeitosa e violenta no tratamento aos trabalhadores usuários dos transportes coletivos, sobretudo nos horários de aumento da demanda, a saber, das 06:00 às 08:00h e entre às 16:00 e 19:00h .
Como a busca pelo uso dos ônibus é alta e a oferta é baixa, principalmente nos horários de “pico”, ocorre a superlotação OBRIGANDO alguns sujeitos a – se quiserem chegar mais cedo em casa – permanecerem, DESCONFORTAVELMENTE, na “traseira” dos ônibus.
Ora, os donos das empresas dos ônibus, ao fabular que a ocupação das “traseiras” dos ônibus esteja lhes reduzindo os lucros (que são faraônicos); ou que seja um método, um “jeitinho” para não se pagar a passagem, CONTRATARAM grupos de algozes supostamente armados para reprimir a população pobre trabalhadora que se encontre nas “traseiras” dos ônibus. Geralmente se encontram em grupo de cinco a sete indivíduos nas proximidades de certos pontos de ônibus ao longo do trajeto. Habitualmente vestidos de calças e camisas estilo polo ou de botões e com uma ar de seriedade e arrogância. Os motoristas já os conhecem e ao menor sinal desses indivíduos encostam os ônibus para que a ação seja feita.
A mensagem é simples: ou as pessoas registram a passagem e aceitam imprensar (e ser imprensado) ainda mais as pessoas no corredor apertado dos ônibus ou aceitam, “gentilmente”, descer no ônibus, em qualquer local que este seja abordado, sob amaça de pancadas! E tudo “licitamente” aceito pela fiscalização municipal e policial! Aliás, é bom que se diga, muitos desses algozes (senão todos) são policiais que não satisfeitos pela repressão do dia-a-dia, veem nessa forma de trabalho um meio de obter uma grana extra e reprimirem ainda mais a população alienada, que por sinal é a mesma classe na qual está inserido e faz parte.
Assim, como se não bastasse o desconforto da superlotação, os inúmeros engarrafamentos, a poluição sonora e os riscos de assalto, os usuários suburbanos do transporte coletivo de Salvador tem ainda de aturar a gentileza dos carrascos contratados pelos grandes empresários dos transportes.
Até quando ficaremos inertes diante desse escândalo?...
Salvador, 22 de agosto de 2012
Alan Passos.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Percepções



Afirmou o grande Tolstoy: “A única certeza absoluta que o homem tem é que a vida não tem sentido”. Estaria essa afirmativa correta? Talvez o não ter sentido já seja um sentido. E isso é fundamental, pois não termos um sentido de existência pré-determinado nos deixa a possibilidade de nos inventarmos e de fazermos isso da melhor forma possível. Talvez fosse mais inteesante se fosse apreendido dessa forma. Pena que a estupidez humana acaba com tudo...

“Nonada”. Não somos nada. O medo do desaparecimento nos atormenta. Estamos aqui, estou escrevendo para mim e na vontade de que alguém leia e comente, sobretudo. Não sei do instante seguinte. Podes sair de casa e não mais retornar... Já imaginaram isso? Será que está cada vez mais difícil se pensar no futuro? Me parece que perdemos a dimensão de um futuro. Acho que estamos, agora sim, pelo menos no caso brasileiro, começando a viver numa “sucessão de agoras”.

O abismo regenerante.

Já imaginou se fosse ao médico e este lhe dissessem que estás com suspeita de alguma doença grave, incurável e que teriam de fazer alguns exames para verificar se essas suspeitas procedem? Qual seria sua reação? Como seriam seus dias na espera do resultado dos exames? Qual seria seu estado (psico)lógico? Como se sentirias ao perceber o aproximar do findar dos seus dias?

E se depois de toda essa tormenta da suspeita, a notícia fosse de que estás ótim@, com a saúde perfeita? Como reagiria? Isso mudaria a sua visão sobre a vida? Deixaria de perder tempo com coisas insignificantes e aproveitaria mais a vida, o viver?

Isso, tangencialmente, nos leva a outra questão. O que nos faz temermos a morte? Seria o medo do desconhecido ou a consciência de não termos feito/alcançado tudo que desejamos e que não teremos mais tempo para tentar realizá-los?

Somos seres finitos que almejamos o infinito, nossa grande tormenta. Percebemos isso, sobretudo na atenção que devotamos ao nosso corpo, a esta coisa que ocupa um lugar no espaço, que é observado e que é objeto de desejo. Estamos em nosso corpo e não podemos deixá-lo. Como diz o Alain Corbin, o corpo é essa co-presença constante conosco mesmos, pois que o sujeito - o eu - existe somente encarnado e, assim, nenhuma distância pode se constituir entre nós e nosso corpo. E também é natural que ele se desgaste com o tempo, pelo menos, desde sempre foi assim...

A vontade de evitar o inevitável faz com que nos ludibriemos com tratamentos que prometem a juventude (sobretudo a facial, a nossa maschera, aquilo que está exposta a todos), em apenas algumas horas. (Obs: Sei que nesse ponto há outros fatores que contribuem para essas práticas, mas, pelo caráter de minha trama quero chamar atenção apenas a esse viés da coisa). Um passeio pelas orlas marítimas e praças e poderemos observar um espetáculo atlético de corpos suando em debandada. O cuidado com o comer: posso isso, não posso aquilo etc. Tanto tratamento com o corpo na tentativa de evitar o inevitável. Mas em relação a isso a retórica dirá que é para um bem viver. Será? Será que por trás dessa justificativa não estaria a nossa perseguição pelo absoluto? Pelo eterno metaforizado em uma vida durável, em longevidade?

As artes, realmente, tem o dom de nos afetar. Aliás, isso apenas para aqueles providos de percepção de beleza o que não inclui os “materialistas” ávidos de consumismo estetizante e que, muitas vezes e cada vez mais frequente, consomem até o outro numa espécie de antropofagia Goyana.

Acho que vou deixar de ver uns filmes... rsrs. Estou Alleniano esses tempos.

Salve salve Woody Allen e sua crítica do social.

Abraços cordiais meus brav@s leitores.

Alan Passos, Salvador, 29 de Junho de 2011.

sábado, 18 de junho de 2011

Os furos do véu


A metáfora do véu cabe perfeitamente à sociedade brasileira. Um véu é aquilo que serve para encobrir e ao mesmo tempo é um fazer-se ver, num jogo de ambigüidade (no sentido metafórico e em alguma medida representacional) irritante e escandalosamente dissimulada em nosso meio. Mas hoje minha interpretação escapa à introdução e tenta observar outro ângulo.

Terça-feira, 14 de junho de 2011. Essa foi a data da publicação do noticiário do Jornal A Tarde sobre um bem-sucedido blog.

O blog ativo desde fevereiro (A Girl Gay in Damascus) adquiriu grande sucesso, com milhares de seguidores e dotado de atenção da Imprensa, pois que era alçado como uma fonte de informação confiável sobre os eventos da Síria e da repressão do regime de Bashar al-Assad.

A autora era uma lésbica síria chamada Amina Abdalla Arraf al Omari, 25 anos, com dupla nacionalidade síria e estadunidense, que descrevia o cotidiano em Damasco em meio ao fatos ocorridos nas últimas semanas. Através de seus véus relatava também dados sobre suas relações sentimentais e a vida social, criticas ao regime de Damasco e reflexões sobre o momento político.

Omari deu até entrevistas a imprensa, como a agência estadunidense Associated Press, respondendo perguntas via email que foram reproduzidas em vários jornais do mundo. Mas, pra variar, o diabo esqueceu o rabo do lado de fora e alguém viu...

O acontecimento: em um post no blog, atribuído a um primo de Amina, dizia que a blogueira tinha sido detida por homens armados, supostamente membros do partido Baath, do presidente Assad e que pedia ajuda para tentar localizá-la.

O desaparecimento se converteu em notícia de impacto internacional, (deu até no New York Times!) o que provocou uma investigação pelas autoridades dos EUA que checou a informação e disse não ter existência de uma pessoa com dupla nacionalidade com esse nome de Amina. (O leitor que bravamente chegou até a essas linhas, muita atenção que agora a coisa começa a ficar mais interessante...)

Coincidentemente o nome (Amina...) correspondia a uma cidadã residente em Londres, cujo fotografia foi divulgada na net, causando um maior embaraço para essa cidadã, que teve de negar reiteradas vezes qualquer relação identitária com essa lésbica.

É nesse contexto que o real autor do blog resolver revelar sua persona e tangencialmente reabriu o debate sobre a credibilidade da informação em rede, e por extensão, da poderosa imprensa. Ele se chama Tom MacMaster, estudante estadunidense que reside na Escócia. (Esses estadunidenses têm uma incrível capacidade de polemizar as coisas...)

Ele então publicou um texto de pedido de desculpas no blog afirmando que não esperava tamanho sucesso de suas postagens. Mas, afirmando que embora a voz narrativa fosse fictícia os fatos eram verdadeiros e que não enganou ninguém sobre a realidade dos fatos narrados. Fica a dúvida: será que ele nesse momento estava falando a verdade ou era mais uma criação? Caímos na famosa aporia do cretense...

Toda essa exposição inicial foi para chegarmos a uma reflexão sobre a confiabilidade daquilo que nos é cotidianamente veiculado como informações pelos mass midia. Os meios tecnológicos, sobretudo a internet, aliado à globalização nos permite essa possibilidade de saber de tudo, sobre todos os lugares, em qualquer período. Somos bombardeados de informações a cada segundo em escala mundial e nem sequer nos questionamos sobre o estatuto dessas informações.

O blog só foi questionado por um incidente, um escorrego do autor (a fantasiosa prisão) que, quiça el@, não imaginasse que fosse repercutir de tamanha forma e que provocou o desmascaramento do aut@r. Aliás a palavra aqui é bem pregada desmascarar, ou seja, tirar a máscara como no poema de Fernando Pessoa. Ide lá, meus atenciosos leitores, e leiam mais uma vez aquele excerto magnífico da poesia do Pessoa que habita do meu blog.

Abraços cordiais.

Alan Passos - Salvador, 19 de Junho de 2011.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Um “Dissidente da Verdade”


A Verdade partira em debandada. Onde terá se fixado? Quem conseguir alcançá-la avise-me... Coitada, já não se move...

Num diálogo entre Adriano e Epiteto surge a questão:

- “O que é que o homem não pode ver?” – perguntara Adriano.

E Epiteto responde – “O coração e o pensamento de outrem”.

Dessa forma adentramos no campo das percepções, quiçá afetivas, e no terreno instável e subjetivo da dissimulação. Questão que já foi, e talvez ainda seja, fruto de densas discussões.

Só a nível de exemplo temos o testemunho de Jean de Coras, Conselheiro do Tribunal de Toulouse, que num passado distante já dizia: “Não há nada mais detestável, entre os homens, do que fingir e dissimular, embora nosso século [e ele falava do XVI] seja tão desventurado que, em todas as posições, aquele que melhor souber refinar suas mentiras, simulações e hipocrisias muitas vezes é o mais reverenciado...”. Esse discurso me pareceu bastante atual...

É na campo da dissimulação que os seres humanos encenam seus sentimentos e pensamentos. E o uso dela muitas vezes ocorre de forma velada através de retóricas enfadonhas cuja falácia se sustenta na distinção cínica entre mentira e omissão.

Até onde minha vista alcança, foi Jean Baudrillard quem mais se preocupou em refletir sobre a questão da dissimulação. Ele nos diz que o simulacro é a “geração pelos modelos de um real sem origem nem realidade: hiper-real”. Assim, Baudrillard entendia nossa condição como a de uma ordem social na qual os simulacros e os sinais estão, de forma crescente, constituindo o mundo contemporâneo, de tal forma que qualquer distinção entre “real” e “irreal” torna-se impossível. Ou seja, somos todos (ou quase todos) atores de um grande espetáculo social.

Ainda seria possível a confiança? A fidelidade? Ela existiu algum dia...?

Hum... me perdi das horas... Tenho que dormir. Enfim... estou niilista esses dias...

Alan Passos.

Salvador, 05 de Maio de 2011

quinta-feira, 7 de abril de 2011

O espetáculo comovente: Pierre Rivière e Wellington Menezes de Oliveira


François Dosse refletindo sobre a narrativa historiográfica diz que “o discurso histórico é fortemente marcado pela importância da retórica argumentativa”. A partir desse fragmento tive uma idéia...

O momento não me parece mais oportuno... e então fui tentado a redigir essa breve comparação entre dois casos distantes espacial e temporalmente, mas que trazem em si preciosas semelhanças.

O Povo brasileiro está comovido. A mídia progressivamente se especializa no discurso apelativo que sensibiliza a nação. Somos todos afetados.

Aos 3 dias do mês de Junho de 1835, numa pequena comuna francesa chamada Aunay, um terrível assassinato alarma a pequena e estática localidade. Pierre Rivière degola sua mãe (Victorie Brion) com mais ou menos quarenta anos e que estava grávida, seu irmão (Jules Rivière) de sete a oito anos e sua irmã (Victoire Rivière).

176 anos após o caso de Rivière, aos 5 dias do mês de Abril de 2011, na então Cidade Maravilhosa do Brasil (RJ), uma personagem chamada Wellington Menezes de Oliveira portando dois revólveres e munição adentra um Colégio público e atira nos estudantes que assistiam aulas, assassinando mais de 12 pessoas.

Coincidentemente, assim como Rivière, Wellington era um sujeito pacato, quieto, de poucas palavras. Porém, ao contrário de Wellington que suicidou-se após o atentado, Rivière saiu em fuga, mas foi capturado mais ou menos um mês após seu crime.

Outros fatos também coincidem entre as duas narrativas, a saber: a premeditação e um relato feito pelas personagens agentes do crime no qual consta vestígios narrativos de ideologia religiosa. Rivière, após ser preso e interrogado, escreve um memorial relatando sobre as razões que o motivara ao crime, enquanto Wellington, talvez já prevendo a possibilidade do suicídio, deixa uma carta relatando an passant as possíveis motivações que o levara a praticar o delito.

No tempo de Rivière o principal meio de publicidade era o jornal impresso (para os letrados) e o chamado “boca-a-boca”, ou seja, o fuxico (para a ralé). Já no período de Wellington, os meios de comunicação modernos e espetacularmente rápidos, sobretudo a TV e a Internet, veicularam as possíveis especulações racionais desejosas de explicações para o ocorrido.

Assim, em ambos os casos, todos falam ou parecem falar da mesma coisa: o acontecimento do assassinato. Porém observa-se também uma batalha discursiva entre discursos de origem, forma, organização, função e especialidades diversas (médicos, judiciários, psicológicos, criminológicos, publicitários) racionalizantes e redutoras ávidas por explicações necessárias. É nessas formas de interpretações diversas entre os variados campos epistemológicos discursivos que Foucalt percebe as relações de poder e de saber.

Então, assim como Foucalt não se permitiu interpretar o caso de Rivière, pois que nisso estaria implícito uma tomada de posição de um desses discursos, não interpretarei o ato de Wellington que me custaria também uma tomada de posição impondo uma relação de força com efeito redutor da trama.

Vejamos os próximos episódios...

Salvador, 7 de Abril de 2011.

Alan Passos.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Corpos violentados


Três corpos esparramados sobre a mesa. Essa foi à cena, perversamente despercebida por muitos transeuntes, pois este é um escândalo cotidiano. Felizmente (e infelizmente, pois estava numa conversa cujo assunto foi desagradável) estava ali com minhas duas lentes caçadoras de supostas banalidades diárias para narrar aqui para meus fiéis leitores. O palco era a luxuosa praça de alimentação do afamado Salvador Shopping.

Dormiam as belas tristonhas meninas numa expressão de exaustão que tive uma sensação de cansaço só de olhar. Queria fotografá-las, congelar aquela cena e postar em meu blog, mas não quiseram me emprestar a câmera fotográfica...

Vestiam-se com uma mortalha tingida com um marrom escalonado para o cinza provocando uma visão espectral. Foi-me impossível descrever as suas faces, pois estas estavam censuradas e colocaram-nas, em cada uma delas, uma máscara cujo propósito é incitar aquilo que Naomi Wolf chama de “competição entre si através da beleza” numa espécie redimensionada de seleção natural que afeta os animais e, exigida e imposta, pelos patrões contratadores através de um padrão vulgarizado pelos media. Somos todos narcisistas...

Acredito que estavam no “horário de descanso”. Mas descansar onde? Não há espaço de descanso nas lojas. Estas (cada vez mais) não são projetadas visando um espaço de “descanso” para que seus funcionários usufruam. Aliás, estes são apenas imaginados enquanto força de trabalho a ser vorazmente consumida. Então, daí o improvisamento daquela mesa metamorfoseada em uma cama que, diga-se de passagem, nada confortável.

Infelizmente esse é o preço que grande parte de nossa população brasileira tem de pagar por existir um enorme contingente de miseráveis dispostos e entusiasmados a trabalharem, aliás, a serem super explorados, por um ínfimo salário.

Portanto, finalizo por aqui essa breve reflexão, que poderei percebê-la como um microcosmo da realidade brasileira, mais especificamente a soteropolitana, sobre (como diz o animado Antonio L. Negro) as exorbitantes desigualdades historicamente duráveis em nosso querido Brasil.

Salvador, madrugada de 18 de Março de 2011.

Alan Passos.